terça-feira, 25 de outubro de 2011

Mais um dia.

O despertador tocou. Estava tão bem na cama que não queria acreditar que tinha chegado a hora de levantar. Abriu um olho,espreitou por cima dos cobertores. Ainda era noite, estava frio e conseguia ouvir a chuva lá fora. Respirou fundo e saltou da cama. Tomou um banho bem quente. Maquilhou-se e vestiu-se. Hoje apetecia-lhe as cómodas calças de ganga e as velhas botas. Mas não. Não podia. Hoje não. Vestiu as calças pretas, uma camisa em tons de rosa, como ela gostava, e o blaser. Calçou as elegantes botas altas e saiu.
Tinha tanto para fazer hoje... Queria ter tempo para ir ao ginásio,para cumprir a promessa de levar os sobrinhos ao cinema. O dia passou rápido e quando olhou para o relógio eram já nove da noite e nem sequer tinha saído da empresa para almoçar. Desligou o computador e foi para casa. Estava uma noite escura, bem escura. E a chuva não parara todo o dia.
Entrou em casa e foi recebida pelo Xico,o seu pequeno Teckel. Apenas ele a esperava todos os dias. Apenas ele aguentava aquela vida doida que ela tinha. Vestiu o pijama,fez um chá e enroscou-se no sofá com o Xico.
Na juventude sonhava em casar-se,em ter muitos filhos e um bom marido. A vida não o quis, ou não o permitiu.  Agora a sua companhia, a sua família era o pequeno Xico.
Adormeceu. estava cansada e amanhã era mais um dia...

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

ODA AL DÍA FELIZ

ESTA vez dejadme
ser feliz,
nada ha pasado a nadie,
no estoy en parte alguna,
sucede solamente
que soy feliz
por los cuatro costados
del corazón, andando,
durmiendo o escribiendo.
Qué voy a hacerle, soy
feliz.
Soy más innumerable
que el pasto
en las praderas,
siento la piel como un árbol rugoso
y el agua abajo,
los pájaros arriba,
el mar como un anillo
en mi cintura,
hecha de pan y piedra la tierra
el aire canta como una guitarra.

Tú a mi lado en la arena
eres arena,
tú cantas y eres canto,
el mundo
es hoy mi alma,
canto y arena,
el mundo
es hoy tu boca,
dejadme
en tu boca y en la arena
ser feliz,
ser feliz porque si, porque respiro
y porque tú respiras,
ser feliz porque toco
tu rodilla
y es como si tocara
la piel azul del cielo
y su frescura.

Hoy dejadme
a mí solo
ser feliz,
con todos o sin todos,
ser feliz
con el pasto
y la arena,
ser feliz
con el aire y la tierra,
ser feliz,
contigo, con tu boca,
ser feliz.

Pablo Neruda

domingo, 23 de outubro de 2011

Trovoada

Está escuro. Bem escuro. A trovoada levou a luz da rua. Cá de dentro,apenas com a vela, vejo o movimento das árvores,como que dançando com o vento. O mesmo acontece com a chuva. O vento, forte e teimoso, leva a  chuva para onde bem entende. A chuva lá vai,como o Peter Pan, a voar, a voar... Os relâmpagos iluminam o céu logo seguidos de um enorme estrondo. Será que Deus está zangado? Se isto é Deus zangado,então Deus fica maravilhosamente bonito e mágico quando se zanga.
Da minha mesa alentejana,da minha sala escura, olho pelo grande vidro já gasto da janela. Fico muito quieta,em silêncio. Não estou para ninguém. Não estou para a vida. Estou apenas para a magia que acontece lá fora.

Chuva

Chuva! Hoje veio a chuva. Chove lá fora. Chove com força e com vontade. Chove de verdade! Haja algo verdadeiro neste mundo de falsidades...
Adoro a chuva. O cheiro a terra molhada, o brilho que ela deixa na estrada, o seu som (ora suave ora forte). Gosto de ir na rua e sentir a chuva a bater-me na cara. Gosto quando me cai nos cabelos e me vai molhando a cabeça. Gosto de andar à chuva, de botas, e saltitar nas poças de água.
Lembro-me uma vez, em criança, de ter ido com os meus avós a uma caçada. Lembro-me de várias, mas desta especialmente. Estava um dia maravilhoso de chuva. Os homens sairam cedo com as suas espingardas e nós, crianças, ficamos na grande casa, com a senhoras a tratar do almoço. Até que resolvemos ir também nós caçar. Então, no meio do campo, atiçamos o pequeno Noddi para que apanhasse um coelho. O Noddi começa a correr energicamente e nós, os primos todos, a correr atrás dele. O coelho entra para a sua toca e o cão entra atrás dele. Pensámos nós que aquilo era a toca. Esperamos quase meia hora e nada de coelho nem de cão. Nesta altura, nós já deveriamos estar em casa,estávamos todos molhados e já se fazia tarde. Os mais velhos, a Filipa e o Bernardo, resolveram que algum dos mais pequenos tinha de tentar entrar no buraco para tirar de lá o Noddi. Eu e o João eramos os mais pequenos. E dos dois era eu a mais pequena e mais magrinha. Quem é que eles tentaram enfiar lá dentro? A mim.
Depois de eu já ter lama até aos cabelos, de estar toda suja e completamente molhada, ouvimos, lá ao fundo, o Noddi a ladrar. Eles tinham entrado por alí mas tinham saido do outro lado.
O João agarrou no cão, que em vez de preto estava todo castanho, e corremos o mais que podiamos para casa. Quando chegamos, a tia Ana e a avó Melinha iam-nos matando!! Despiram-nos em frente ao grande lume alentejano e puseram as nossas roupas a secar. Nós ficamos de castigo,sentados em frente ao lume,com camisolas do avô e o tio vestidas, até secarem as nossas roupas. Foi uma tarde fantástica!
Chuva? Adoro a chuva! Que fique por muito tempo!!

sábado, 22 de outubro de 2011

Budices

Estudei as suas características,o seu temperamento. Informei-me com o meu primo Bernardo que já tinha tido uma da mesma raça. Perguntei ao Rui o que ele achava. Vi preços e ninhadas na net. Uma noite comprei-o.
Pedi ao Xico que fosse comigo a Lisboa para o buscar e, num frio dia de fevereiro, lá fomos nós no velho Mercedes vermeho. O Xico f o oicaminho todo a refilar comigo, o Xiça(que também foi) sempre a dizer que queria ir à Salsa que queria umas calças e uns ténnis novos porque ia haver uma festa na UE e eu, no banco de trás, inquieta com a demora da viagem, desejosa de chegar para o ver.
Fui busca-lo à escadaria do estádio do Sporting. Era tão pequeno! Estava assustado mas tinha um ar tão doce... Apaixonei-me. E ele por mim. Chamei-lhe Buda. Como o Deus. Foi neste instante que começou a nossa amizade.
Voltamos para Évora e não nos separamos mais. A primeira noite dormiu-a deitado em cima da minha barriga, de olhos postos em mim.
De manhã eu saia para as aulas e ele ficava na varanda. Mal podia voltava para estar com ele. Todas as tardes passeávamos os dois e brincávamos na relva. À noite eu sentava-me a trabalhar e ele ao meu colo. Seguia-me por todo o lado. Até para a casa de banho. Enquanto eu tomava banho, ele deitava-se no tapete à minha espera.
Até que um dia ele teve de ficar em Portalegre. Foram várias as viagens que fiz para a Évora a choramingar e com o coração apertado de saudades. Ele ficava com a minha mãe, na serra onde podia correr e brincar todo o dia, mas também ficava triste. Quando eu voltava era uma festa imensa!
Depois voltei a viver na serra uns tempos e ele andava feliz.
Agora, já há dois anos, estou em Lisboa e as saudades voltam a apertar. Um desdes domingos, estava eu a despedir-me dele e, acredite-se ou não, ele chorou. Perceceu que me vinha embora, olhou-me fundo e chorou.
Cá em Lisboa sinto muito a falta dele. Ele faz muita companhia, mima-me. Sinto a falata daqueles olhos claros e meigos. E até daquele seu ladrar desajeitado.
Prometi-lhe que assim possa, assim que tenha dinheiro, vou arranjar uma casa com espaço para ele. Com um pouco de rua para ele brincar. Gosto sempre de cumprir o que prometo.
O prometido é devido.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Valentinos

Há um restaurante chamado Valentino que eu adoro. Um daqueles restaurantes em que nos sentimos bem,em que os empregados são super simpáticos, em que comemos bem mas não em exagero. Este é, aqui em Lisboa, o meu restaurante preferido. Há um nos restauradores, um junto ao Tejo e um na zona da expo. Uma vez, já há mais de um ano, uma pessoa que realmente me amava levou-me lá. "Sei que os teus anos foram ontem,mas como tive trabalho vamos hoje jantar ao Valentino". E esta foi a primeira vez que fui. Não parei mais. Quando entrei, deparei-me com um simpático restaurante,bem decorado, romantico e com boa comida. Adorei este jantar. O jantar dos meus 25anos. Sempre penso que é um sítio especial. Tenho a mania de rotular os lugares,os sitios conforme me sinto lá. E aqui senti-me bem. Após este jantar, das vezes que lá voltei (e não foram poucas) apenas uma foi com ar de romance. Há muito tempo... Todas as outras foram com grupos de amigos, muito pouco intimistas.
Porque será que os homens teimam em estragar o pouco de bom que conseguem fazer?
Hoje fui jantar ao da expo. Fui com uma amiga. Uma amiga disposta a ouvir-me e a falar também. Uma amiga parecida comigo,mas mais rija. Hoje o jantar no Valentino serviu para descarregar a mágoa, as angústias, as tristezas. Hoje, o meu restaurante romântico serviu para criticar, caracterizar e apontar todos os defeitos e atitudes daqueles que nos deviam amar e por vezes tanto nos magoam e fazem sofrer.
Experimentem o Valentino,mas na versão romance...

Cobardices

Estava um fim de tarde lindo lá fora. Mesmo como ela gostava. Estava frio, o céu bem limpo  e o sol num adormecer terno. Ela queria ser o sol. Também ela queria adormecer em paz e ternamente. Mas não. O seu coração estava trémulo e com um nó. Como seria possivel desfazer aquele nó tão apertado que crescia a cada dia? Quem lhe dera ter daquelas agulhas de criché que a sua avó tinha para poder,sem dificuldades, puxar uma malha e desfazer o nó.
Sempre fora uma pessoa calma. sempre fora dedicada e apaixonada. e sempre tivera um nó. Acreditava que no seu coração as artérias estavam enroladas desde nascença. Mas em tantos anos não teria havido nenhum médico que tivesse reparado naquilo?
Lá fora o frio continuava e ela, numa tentativa de congelar o nó, pegou no casaco e saiu. Sentou-se ao pé do mar, no muro com musgo e gelado, e ficou assim,em selilêncio, a observar o mar.
O Mar...Como podia o mar ser tão grande e transmitir tanta calma?
"Como podia?" era algo que ultimamente ela muito perguntava. Como podia ter-lhe acontecido aquilo? Como podiam as pessoas ser assim? Como podia ele ter sido tão cobarde?  Como podia doer tanto o seu nó?
Como podia ela tirar o nó de dentro do peito?